Peça a peça, o retrato de Wellington de Oliveira, o Monstro de Realengo

10 de abr. de 2011



Da porta da casa na rua Jequitinhonha, em Realengo, Wellington Menezes de Oliveira avistava o campo de terra batida sempre apinhado de meninos. A bola, o futebol e a convivência eram nada atraentes ao garoto que preferia riscar o chão, sentado à calçada, e o isolamento de seus pensamentos. Menino bobo da sala, desprezado pelas menininhas e ridicularizado nas brincadeiras, cresceu sob a solidão infantil, mergulhou no mundo da internet durante a juventude e construiu uma crueldade. Aos 24 anos, no dia 7 de abril de 2011, Orelhinha — um de seus apelidos — saiu de sua casa, em Sepetiba, para revelar-se um monstro, o protagonista do massacre na Escola Municipal Tasso de Oliveira. Uma barbárie injustificável capaz de assombrar o Brasil.
Filho adotivo de dona Dicéia, morta em 2010, Wellington abraçou a solidão como companheira. Vivia na sociedade de um só. Justamente no subúrbio do Rio de Janeiro, onde jogar conversa fora faz parte do exercício santo de todo dia. O silêncio fazia dele um sujeito esquisito. Ia na padaria e não gastava mais do que três palavras. Inúmeras vezes, cruzou com vizinhos e abaixou a cabeça para não cumprimentar. Às vezes, trocava um "oi". Testemunha de Jeová, Wellington repetia o comportamento mesmo ao lado dos pais. Eles paravam para felicitar um conhecido e o filho temporão seguia em frente, diminuindo o passo para ser alcançado. No quintal de sua casa, em meio a histeria masculina num jogo de futebol, brincava. Sozinho.
No universo de Wellington não havia espaço para mais ninguém. No colégio, se espremia mais no mundinho próprio a cada vez que era motivo de chacota. Era o menino mais bobo da sala. As meninas não lhe davam bola. Apelidos eram criados. Foi chamado de Sherman, em alusão ao "nerd" que, no filme American Pie, inventava sucesso nas relações amorosas com as adolescentes. Certa vez, uma amiga de turma o flagrou socando as paredes da escola de raiva. Havia quem duvidasse de sua masculinidade e criaram o coro de "veadinho". Por mancar de uma perna, virou "Suingue" na boca dos gozadores. Sem entrosamento com os demais alunos, Wellington foi colocado na lata de lixo do pátio.
— Posso definir com segurança que o problema do Wellington era localizado no colégio. Ele escolheu para matar e morrer ali. Tenho dúvidas em relação à opção pelas meninas, é preciso ver o posicionamento das meninas na sala. Vai que elas sentassem na frente? — disse a $em criminologia Illana Casoy, autora dos livros Serial Killer — Louco ou Cruel?; Serial Killers made in Brasil —; O Quinto Mandamento: Caso de Polícia; — e A Prova e a Testemunha, sobre o caso da morte da menina Isabela Nardoni.
O adolescente de comportamento duvidoso tomou conhecimento de que sua mãe biológica, esquizofrênica, teria dito que "ele fora gerado no manicômio". Na internet, viajava em suas desilusões para alimentar-se de monstruosidade. Além de leituras religiosas que, em parte, foram colocadas em sua confusa carta de despedida, exercitava no Counter Strike seu golpe mais sujo — no jogo, é possível ser policial ou terrorista e efetuar a compra de armas, sendo o objetivo matar os adversários. Qualquer semelhança com a atrocidade não é mera coincidência.
A violência injustificada saía do virtual para o real. Seus irmãos já percebiam distúrbios no comportamento de Wellington. Um dos irmãos afirmou que ele iniciara tratamento psiquiátrico, mas abandonou. Uma irmã informou seu apego ao islamismo. A outra relatou que o caçula, estranhamente, manifestou apoio ao ataque nas Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001.
— Pelo que estamos vendo, a mãe era esquizofrênica. Isso influi muito na aparição da doença. Bullying (humilhação), que fique claro, não é a causa da doença. Tudo isso que o Wellington passava era sintoma da doença — afirmou o psiquiatra forense, Talvane de Moraes, acrescentando que o desenvolmento do distúrbio está entre 15 e 30 anos de idade.
Rejeição ou doença mesmo, Wellington conseguiu o primeiro emprego num lava-jato. Não retirou as impurezas do coração. Confirmando outras avaliações, manteve-se isolado e acabou ganhar o apelido de "Orelhinha" por causa do formato. Entre 20008 e 2010, trabalhou numa empresa de alimentos. Tímido ou introspectivo? Os funcionários faziam tais perguntas para decifrar Wellington. Sem resposta.
Há um ano, o jovem com traços de personalidade intrigante — que se revelaria macabra — passou a morar em Sepetiba, com a morte de sua mãe. Dona Dicéia conseguiu o desejo de dar uma casa ao filho adotivo. Mal sabia ela que o temporão faria dali seu quartel-general do mal. Sozinho, como gostava, arquitetou seus planos no vazio de sua mente. Por lá, era visto de calça e blusões pretos e uma maleta na mão. Não usava bermudas. Não bebia, não fumava. Diariamente, era visto sair pela manhã e retornar no entardecer. Na mercearia, comprava um refrigerante e se trancafiava no "QG". Já exibia uma barba enorme, com tom sombrio e mais enigmático à vizinhança, sempre interessada em saber detalhes daquele homem. Com precisão cirúrgica, de 30 em 30 dias, voltava a Realengo para cortar o cabelo. Para completar um quadro macabro, um gato preto era o animal de estimação. O isolamento era cada vez maior, na medida do objetivo em fazer uma maldade. Não tinha namorada. Tinha ódio. Nos últimos oito meses, visitava Realengo — tempo que a polícia estima que programou a atrocidade. Wellington era um colecionador de fracassos, era um fiel perfil de um psicopata: isolamento, histórico de decepções, desejo por culpar as pessoas (virgens, não virgens, pecadores), perda de emprego, fracasso amoroso. Adquiriu dois revólveres — um calibre 38 e outro, 32. Nos sites, aprendeu a manusear as armas, recarregá-las para executar a barbárie. Armazenou quase uma centena de entena de munições. Escreveu uma carta, rica em delírios, confusa em sua fundamentação.
— Em toda história, tem uma pré-história. E a dele é trágica, pelos relatos. Sofreu bullying, que é uma forma de humilhação, causa raiva e revela o sentimento de vingança — disse o teólogo e professor de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Leonardo Boff, à Rádio CBN.
Wellington era frio. A comunicação interna — sua mente maldosa — era calculista. Uma semana antes de matar crianças indefesas num ato brutal, o assassino visitou o diretor do colégio, Luiz Marduk, para pedir segunda via do histórico escolar. Covardemente, deu fim a vidas inocentes e fez questão de não deixar rastro de sua passagem pelo mundo ao sumir com o "HD" (disco rígido) do computador. Construído virtualmente, morto na invasão à escola, o Monstro da Tasso de Oliveira é real. Infelizmente.

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